segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Gargarejo como pré aquecimento para voz!

Olá!

Aqui é o Ian Gonçalves e acabo de trazer mais um aprendizado interessantíssimo para nossa coluna #CantoComEvidência (hashtag que usarei no instagram também para divulgar esses posts).

Em 2020 foi publicado no Journal of Voice um artigo feito por Amabelle Ayssa, Patrícia Balata, Geová Oliveira de Amorim, Ana Clara Amorim, Hilton Justino e Leandro Pernanbuco, chamado Effects of Voiced Gargling on the Electrical Activity of Extrinsic Laryngeal Muscles and Vocal Self-assessment.


E que nome enorme! Traduzindo de forma mais simplificada, ficaria “Efeitos do gargarejo com voz na atividade dos músculos extrínsecos da laringe”.


Vou comentar também alguns pontos interessantes ditos no artigo. O primeiro ponto importantíssimo é que “a mobilidade das pregas vocais resultam da ativação de complexos grupos de musculaturas intrínsecas e extrínsecas, além da participação do fluxo de ar pulmonar e dos efeitos aerodinâmicos da fonação.”


É muita coisa envolvida na nossa voz. Não é apenas assunto de pregas vocais e laringe. O corpo é um conjunto que funciona muito bem se usado com boa sinergia entre todas as suas partes.


Um dos principais alvos de um Exercício de Trato Vocal Semi Ocluído é aumentar a eficiência da interação entre fonte (prega vocal) e filtro (trato vocal), além de reduzir níveis de atrito entre as pregas vocais para um mesmo som, minimizando os riscos de lesões e fadigas.


E advinha só... O gargarejo é também um exercício de trato vocal semi ocluído! Professores de canto não podem ver uma micro oportunidade de criar um novo tipo de treino que já estão lá testando.


O gargarejo pode ser feito com voz ou sem voz. E é por isso que eu coloquei “Gargarejo Musical” no título. 


Segundo o artigo, a barreira de água que o gargarejo cria mobiliza a mucosa das pregas vocais, o velo e a base da língua de forma a estimular uma expansão do trato vocal e também um “efeito massagem” nos pilares da faringe. “Efeito massagem” é um tema interessante para se falar futuramente. 


O gargarejo, em pesquisas anteriores, tem indicado efeitos como uma melhora na frequência fundamental, aumento na intensidade e também uma emissão mais clara e confortável. São efeitos bastante desejáveis para um cantor, não é?


Ele também pode ser usado para incentivar a fonação fluida, que é uma fonação mais saudável, confortável e leve (você pode ver o artigo sobre Modos de Fonação clicando aqui). É a fonação com maior “economia vocal” (se fizer direito hehe) e, apesar de nem todos cantarem com esse tipo de voz, ela é muito útil para começar um aquecimento vocal com o pé direito.


Uma coisa importantíssima citada no artigo é que a qualidade da voz é indiretamente modificada pelas ações dos músculos extrínsecos da laringe. Entenda: O seu professor não está gastando tempo de aula à toa quando para tudo pra fazer algum alongamento para soltar a tensão no seu pescoço. hehe


Aliás, alguns casos sérios de disfonia (leia-se “problemas vocais”), principalmente causados por usos inadequados da voz, podem estar associados a um sobre-uso desses músculos. Eles, causando tensão desnecessária, elevam a altura da laringe além do necessário e podem causar dores em volta da laringe (aliás, enxaquecas também).



Então, uma dica: Nos seus treinos, busque sempre cantar sem deixar os músculos e veias saltando loucamente pra fora. Se conseguir, é um sinal de canto sólido, consciente e relaxado.


E o artigo?

Então, sabendo de todas essas coisas, 20 pessoas entre 20 e 56 anos participaram de um experimento para medir os efeitos do gargarejo na musculatura extrínseca. (Metade deles possuíam problemas vocais).


O experimento consistia em fazer 1 minuto de gargarejo com uma nota grave e confortável na vogal /u/, com nota sustentada, com pausas durante o tempo (pois é impossível fazer isso por um minuto seguido hehe).


A atividade da musculatura supra-ióidea (embaixo da língua) e infra-ióidea foi medida por eletrodos (antes, durante e depois do exercício).


E os resultados?

Os resultados foram diferentes entre quem tinha problemas vocais e voz saudável. Apesar disso, todas as atividades musculares caíram após os exercícios. Obs, nos resultados observados, a atividade muscular caiu mais significantemente nos supra-ióideos. Os resultados e a % de relaxamento muscular variaram do lado esquerdo e direito da laringe, o que sugere a possibilidade de uma falha no experimento. E realmente houve uma falha. No final do artigo ela é mencionada:  Os participantes não ficaram perfeitamente alinhados para fazer os testes. Apesar disso, essa falha não é capaz de invalidar a pesquisa e as conclusões. 


Mesmo assim, a falha é exposta pelos próprios autores, pois a ciência precisa ser sempre 100% transparente e livre de egos. 


Outro efeito percebido pelos dois grupos (pessoas com problemas vocais e pessoas com voz saudável) foi uma maior qualidade vocal e um maior conforto na voz depois do exercício.


Uma das possíveis explicações é que, ao fazer o gargarejo, a posição estimule um alongamento da musculatura extrínseca. Essa musculatura dá suporte para os músculos intrínsecos encurtarem ou alongarem as pregas vocais, além de afetar a participação dos articuladores do nosso trato vocal. Logo, se a tensão desses músculos cai, é bem favorável para cantar.


Os efeitos de 1 minuto deste “gargarejo musical” levam essas musculaturas extrínsecas a um maior relaxamento e, por consequência, a um canto mais relaxado e saudável. 


O suave e consistente fluxo de ar que é estimulado pelo exercício estimula um relaxamento nas musculaturas da produção da voz pois, se estiver tenso, o gargarejo vai começar a falhar. Um outro efeito do exercício é que ele induziu a voz para um estado de maior clareza e qualidade.


Foram reportados efeitos como:


  • Voz mais “aberta”;
  • Voz mais “clara” (no sentido contrário ao da “voz fosca e opaca”)
  • Menos esforço pra falar

Todos esses efeitos são bem comuns em exercícios de trato vocal semi ocluído.


Essa musculatura extrínseca não produz a voz, mas está o tempo todo participando indiretamente. Ela é responsável pela manutenção da posição da laringe, pelo enrijecimento do pescoço, pela estabilidade na voz e por maior conforto vocal.


Nunca deixem de pensar na musculatura extrínseca. Ela é essencial para uma boa produção vocal.

“É possível que o gargarejo ajudou a reduzir o nível de tensão muscular e, por causa disso, levou a uma produção mais relaxada do mesmo som”, disse no próprio artigo


Ou seja, você  é levado a fazer a mesma coisa só que com menos esforço e isso leva seu canto para um patamar mais saudável.


Concluindo:

Se você soubesse de um exercício que só gastasse 1 minuto e que reduzisse bastante a tensão da musculatura extrínseca, não gostaria de usá-lo antes de aquecer?

Que tal fazermos testes em casa e depois relatarmos aqui nos comentários os efeitos sentidos  pelo exercício? Meus alunos gostam muito. Tente você também!


É um minuto que pode ajudar todo o treino a ser mais eficiente.


Muito obrigado e até a próxima!


Ian Gonçalves,

@IanGGoncalves

ian.voz@icloud.com

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