segunda-feira, 13 de outubro de 2014

É possível cantar 2 notas ao mesmo tempo.


Recentemente, um vídeo de uma cantora fazendo uma manobra vocal “sobre-humana” invadiu as redes sociais. Trata-se de Anna-Maria Hefele mostrando uma habilidade e controle incríveis dos harmônicos da voz para emitir 2 notas ao mesmo.
Também ao mesmo tempo, surgiram reportagens dizendo que emitir 2 notas simultâneas seria algo “extremamente raro”, um “talento para poucos”, e aquela besteira sensacionalista que estamos acostumados, e que combato sempre aqui no blog.

Alguns acham que ela utiliza 2 fontes sonoras, outros que ela faz algo quase que digno dos x-men, mas, afinal de contas, como é possível alguém emitir 2 notas? Será que a cantora do vídeo é um fenômeno raro? De onde surgiu essa prática?

Quem leu meus textos sobre acústica e trato vocal (consulte no índice ao lado) já sacou que não há nada de extra-terrestre na Anna-Maria, exceto pelo seu domínio incrível de manipular diferentemente esses sons, que chamamos de sobretons.

Retomando e resumindo o tema: Quando o ar passa pelas pregas vocais, a vibração da mucosa dessas pregas gera uma nota fundamental, que é aquela que queremos cantar, e somado, gera uma série de outras notas. No nosso trato vocal, essas frequências emitidas serão abafadas ou amplificadas e quando ouvidas em conjunto formarão o timbre, o tipo de som, aquilo que diferencia a sua voz da do seu vizinho, de uma chaleira, de um colibri, de um violino, e tudo mais no planeta. Ou seja, quando cantamos uma nota, cantamos uma infinidade delas, os harmônicos, e inconscientemente selecionamos alguns para criar sons culturalmente compreensíveis.

Aí entra a técnica do overtone. Com alguns movimentos do trato vocal (língua, lábios, palato, etc.) somos capazes de abafar mais ainda alguns harmônicos e amplificar incrivelmente outros (através dos formantes), fazendo com que eles se destaquem e apareçam como uma nova nota somada à primeira, a fundamental. O canto de overtones, ou canto harmônico, ou difônico, nada mais é que cantar uma nota e posicionar o trato vocal para que ele mostre outra nota junto.

Apresento Miroslav Grosser, um alemão que tem uma série de vídeo aulas sobre o tema, é muito fácil reproduzir overtones, até não contores conseguem fazer facilemente. Mas calma, ter o controle da Anna-Maria já é algo bem mais complexo e exige um trainamento muito mais refinado. 

Siga os passos do Miroslav no video a seguir e divirta-se. O mais fácil que ele fala é transitar lentamente entre as vogais I e U, tentando ouvir os harmônicos saltando.

Essa prática não surgiu agora, ela é milenar, e encontrada em países como Mongólia, Tuva (uma região da Sibéria), Tibet, Cazaquistão, Turcomenistão. Atualmente é muito fácil encontrar artistas desses países no youtube, e vou deixar aqui uma seleção bastante interessante.

Em algumas das técnicas (são várias) existem também a vibração das pregas vestibulares (lembra dos drives?) e o som sai ainda mais esquisito, para nós ocidentais.

Miroslav Grosser destruindo:
O grupo Huun Huur Tu:
De Tuva:
Rock mongol com overtone:
Techno com overtone:


Lembre-se, voz é moldável, se você quer fazer, basta treinar da forma correta.

Pra quem se interessar, aqui está um artigo completo sobre a técnica dos cantores de Tuva, é fantástico:
https://math.dartmouth.edu/archive/m5f10/public_html/Levin1999SciAm_tuvan_throat_singing.pdf

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