terça-feira, 11 de maio de 2021

Vocalizes – Você deve usar?

Já há algum tempo há uma falsa polêmica alimentada por muito marketing e uma vontade de se destacar entre aqueles que trabalham com voz que é: vocalizes vão melhorar a sua voz e fazer você cantar?

OK, todo mundo tem direito a divulgar seu trabalho como achar melhor e buscar se destacar no mercado, mas que tal fazer isso respeitando os diferentes pontos de vista e sem apelar para essas falsas polêmicas? Podemos divulgar nosso conteúdo ao invés de vender embalgens brilhantes. 

- Ta, mas por que falsa polêmica? - 

Bem, só há polêmica real se existem diferentes pontos de vista com argumentos reais, certo? Nesse caso não há e a resposta é clara, vocalizes não vão fazer você cantar. Um vocalize por si só não tem qualquer efeito na sua voz não é uma fórmula mágica ou uma receita de bolo a ser seguida. 

 - Eu sabia, então não servem para nada e não vou mais fazer vocalizes -  

Não, muito pelo contrário, você deve e será muito beneficiado se utilizar vocalizes. Entretanto, os vocalizes não terão nenhum efeito, ou terão efeito muito reduzido, se não forem desenhados para a sua voz especificamente e se não forem feitos com objetivos e estratégias muito específicas e, principalmente, da forma correta. Isso quer dizer que o vocalize precisa ser direcionado e criado para para o seu momento e objetivo definido e que sua execução precisa ser atentamente guiada, seja por um professor de canto capaz ou seja por você mesmo no seu treino diário.


- Tá, mas o que são vocalizes, então? -  

Vocalizes são ferramentas para trabalhar a voz. Não existe uma definição consensual sobre eles, alguns definem como treino de melodia somente em vogais, outros vão dizer que podem ser uma, duas ou várias notas sem texto e por aí vai. 

Na minha visão (eu, Mauro, pessoa física CPF nº....), vocalizes são sons vocais criados para focar a prática em alguma determinada função e estética (que andam sempre juntos, quer você queira, quer não) e/ou para treinar domínio e percepção musical. Para isso, eles podem utilizar uma ou diversas quantidades de notas, ritmos variados, dinâmicas variadas, direção da frase, tipos de fonação determinados, vogais, sílabas ou mesmo frases etc. Essa não é uma definição técnica, apenas um resumo de como vejo a coisa.

 

Cada elemento dos vocalizes terá uma função e essa função pode ser compreendida após muito estudo sobre fisiologia, acústica e aerodinâmica da voz e/ou apenas com um ouvido muito bem treinado e larga experiência no trabalho com o canto, os cantores e suas individualidades. Consequentemente, para entender que vocalize não é uma lista de exercícios, você vai precisar estudar e trabalhar muitos anos como professor de canto para aplica-los da forma devida.

 

Cada vogal é produzida com diferentes níveis de pressão que volta para as pregas vocais, influenciando em sua vibração. Também são produzidas graças a diferentes frequências de ressonância/formantes, que também afetarão essa vibração, o esforço fonatório e o resultado sonoro. Cada consoante será produzida com os articuladores em posições específicas e geram o acúmulo ou não de pressão de formas distintas, afetando o trabalho glótico. A ordem desses fonemas também é importante. A velocidade do vocalize vai influenciar em questões como, por exemplo, o trabalho muscular realizado e o tipo de fibras musculares recrutadas para esse trabalho. Vocalizes podem ser feitos em escalas, glissandos, notas sustentadas etc., e a direção disso, quando houver, vai utilizar diferentes quantidades de ar nos pulmões e facilitar ou dificultar cada atividade, de acordo com o objetivo, além de estimular o uso de diferentes padrões de vibração das pregas vocais.

 

Esses são alguns exemplos para que você possa entender a complexidade por trás de um “simples mamama arpejado”. A escolha entre um vocalize com “mamama” que sobe e outro com “momama” que desce, ou outro apenas sustentando uma consoante bilabial, ou utilizando “pa” em andamento acelerado, com saltos de oitava ou em grau conjunto, ou fazendo “dra” ao invés de “xu” etc. deve ser feita a partir da necessidade de cada cantor e da resposta que cada um dá a cada estímulo e, para isso, um sistema de avaliação e correção constante é necessário por parte de quem aplica e de quem executa. Essas escolhas também serão feitas de formas distintas para um cantor iniciante, que não tem propriocepção desenvolvida, e para um avançado, que já sabe entender o que acontece em seu instrumento.

 - "Mas eu prefiro realizar exercícios de função vocal ou exercícios isométricos e isotônicos com contrações concêntricas e excêntricas dos músculos adutores, abdutores e tensores intrínsecos da laringe" - Uau, que nome longo para vocalizes...

E eu nem mencionei o uso de ferramentas e estratégias acessórias, como fazer com a língua para fora, com escape de ar nasal, elevando a cabeça, girando os ombros, criando resistência extra com canudos, mão, dedo, etc.. Também não falei dos objetivos além-voz dos vocalizes, como, por exemplo, treinar melismas em pentatônicas, quando se foca em um determinado estilo e se busca criar uma familiaridade com o mesmo. Trabalhar a precisão da afinação, a musicalidade, a qualidade e fluidez do fraseado, o uso do corpo no canto, o autoconhecimento vocal a exploração da própria voz, a interpretação e por aí vai. As possibilidades são infinitas.

 

Há todo um conhecimento e um raciocínio lógico necessários para se criar e utilizar vocalizes de forma personalizada e adequada e o objetivo disso é trabalhar a voz do cantor criando nele resposta neuro-motora e e desenvolvendo a capacidade de perceber e conhecer sua própria voz, reduzindo o número de informações nas quais ele precisa se concentrar. Treinar a voz apenas com música, por exemplo, é possível também, mas a dificuldade e o tempo para o aprendizado serão, provavelmente, muito maiores. Atividades mais complexas tendem a gerar maior tensão, até mesmo muscular, e não é isso o que queremos ao treinar qualquer coisa, certo?


Pense nos vocalizes como os treinos específicos de um atleta, antes de sair jogando ele aprende todos os movimentos, todos os fundamentos, trabalha jogadas ensaiadas, faz treinos em campo reduzido, faz musculação e depois aplica esse conhecimento/comportamento criado no jogo. É a mesma coisa.

 

Vocalizes têm funções muito específicas e fazem parte de um processo de construção muito amplo, mas que para entender essa complexidade é preciso estudar e praticar a arte de ensinar alguém a cantar por um bom tempo. Não tenha pressa e lembre-se que vocalize não é “apenas lalala, mamama, mimimi sem motivo”, e se ele não funciona é porque foi mal construído ou porque aquele cantor, naquele momento, não pode fazer o que você espera que ele faça. Essa é a hora que o professor de canto e o fono que dá aula de canto precisam escolher outra abordagem que funcione para o propósito específico ou utilizar estratégias facilitadoras.

Portanto, use e abuse de vocalizes, mas saiba o que está fazendo, como está fazendo e sinta como eles funcionam em você, só reproduzir não vai te ajudar muito.

Mauro Fiuza

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