sábado, 28 de novembro de 2015

Modos de fonação

Em 1994, o renomado cientista vocal Johan Sundberg publicou um artigo sobre os diferentes padrões de vibração das pregas vocais e os Modos de Fonação e os descreveu de forma bastante completa, indo além de pesquisas anteriores, como a de Martin Rothenberg em 1973, que focou em aspectos acústicos dos Modos, e vou fazer uma adaptação pedagógica sobre o tema. Afinal, o papel desses brilhantes cientistas é descrever o que observam, e cabe a nós, cantores e professores, transformar isso em instrução prática e de fácil acesso a todos, evoluindo a tradição e trazendo informações preciosas de áreas correlatas, como a fonoaudiologia, miologia, neurologia, etc.. 
Prof. Dr. Johan Sundberg e eu durante seu curso
no CEV, em São Paulo

Quando falamos em Modo de Fonação, não nos referimos a qual nota está sendo cantada ou se é forte ou fraco o som, estamos falando de um aspecto da fonte sonora que determina a quantidade de ar que deixaremos passar na voz, ou o quão firme será a adução das pregas vocais (relembrando conceitos básicos: adução = fecha, abdução = abre).

Existem muitos métodos de pedagogia vocal atuais que se baseiam nos Modos de Fonação, mesmo que não conheçam essa pesquisa ou não utilizem esses termos.
Por que isso acontece? Porque os melhores métodos de ensino de canto vêm cada vez mais se aprofundando em conceitos fisiológicos e acústico da voz, o que é ótimo, e isso os traz a essas mesmas conclusões, dos mais diversos pontos de vista.
Entender as possibilidades dos diferentes Modos vai mudar a forma como você interpreta o treino de técnica vocal e facilitar seu estudo de forma incrível.

Nos textos sobre os MÚSCULOS DA LARINGE E A VOZ (importante para melhor compreensão deste artigo) falei sobre os níveis de adução glótica serem independentes da nota cantada, e esse é o ponto chave.

Sundberg descreveu um contínuo para esse nível de adução que vai desde a glote aberta até completamente lacrada e os relacionando com os Modos de Fonação, são eles: Sussurrada, Soprosa, Fluida, Neutra e Tensa, do mais “aberto” para o mais “fechado”.
Pensando neles como um contínuo que tem infinitas possibilidades, eu faço uma contribuição, adicionando um patamar intermediário entre o Neutro e o Tenso, que você dificilmente vai encontrar em música comercial, mas que pode ouvir em estilos de canto como o Sygyt, vertente dos cantos guturais de Tuva e da Mongólia.

Vamintens Atenção!!! Vou citar alguns estilos musicais nos Modos, mas isso não significa que só se canta de uma forma em determinado estilo, isso não existe. 
Entretanto, é comum encontrar cantores que utilizem uma variação muito pequena nos Modos ao longo de toda sua carreira. Eu, particularmente, prefiro os com mais opções de variação.
  • Modo de Fonação Sussurrado:
Aqui não há resistência alguma, tampouco vibração de prega vocal, o ar passa livre, mas pode ser moldado no trato vocal, possibilitando o som da fala sem “notas”. Não confundir com aquele cochicho apertado, que é danoso, aqui a ordem é abrir caminho. Só aparece no canto contemporâneo como efeito sonoro.
  • Modo de Fonação Soproso:
Agora você aumentou um pouco o fechamento, as pregas vocais aduziram um pouco mais e a mucosa já começa a vibrar e produzir notas, mas o contato ainda é parcial. Esse fechamento incompleto faz com que junto à voz apareça o som do ar passando. Modo muito utilizado em baladas em geral e na música gospel brasileira e bossa nova, também aparece sempre no jazz. 
  • Modo de Fonação Fluido:
Aumentando a adução um pouco o ar vai parar de “vazar” e a voz ficará limpa, assim é a flow phonation. É um som ainda gentil porém sem soprosidade. Segundo estudos posteriores do próprio Sundberg notou-se que é um Modo comum ao canto operístico, já que favorece sons com mais intensidade, obrigatório para a Ópera de grandes salas. Também é muito utilizado na MPB.
Esse modo é muito interessante para começar a trabalhar a voz e a independência dos sistemas de controle de frequência e de adução, facilitando o funcionamento mais eficiente da voz e criando estabilidade antes de partir para ajustes mais firmes.
  • Modo de Fonação Neutro:
Mais um pouco de adução e o som ficará metalizado e mais firme. Aqui você já precisa começar a tomar mais cuidado com a pressão de ar. É bem comum na música contemporânea como, pop, rock, etc., por soar quase como uma voz falada.

Podemos dizer que a borda inferior do Vocalis (TA interno, tireovocal inferior) está contraída aqui? É uma opção que deve ser investigada e requer maiores estudos.
  • Modo de Fonação Firme (Sundberg fala de um Modo Neutro mais perto do Tenso que chamei de Firme pra facilitar, ou seja, não é um termo científico, apenas uma adaptação pedagógica):
Se você quer cantar ópera, esqueça este Modo, aqui o fechamento glótico é bastante firme (TA externo, CAL, AAs, todos ajudando a manter a estrutura forte) e pode ser muito perigoso sem um sistema de amplificação da voz e um condicionamento sólido. A voz soa pesada e agressiva (sem distorções), como em alguns cantores de blues e metal. É comum ver estudantes querendo começar a cantar aqui, mas esse é um erro fatal que não vai fazer nada além de limitar a voz e criar frustrações.
Mesmo que seu objetivo final de sonoridade seja mais firme, comece com calma e vá aumentando a carga aos poucos. Usain Bolt não começou sua trajetória correndo 100m em menos de 10s.
As pesquisas indicam que o aumento da adução está relacionado ao aumento da pressão subglótica quando se tenta manter ou aumentar a intensidade do som, e é por isso que se torna mais cansativo e desgastante cantar em grandes volumes com fonações mais aduzidas. A estratégia de sobrevivência aqui é não precisar cantar forte, reduzir o volume e manter a pressão de ar domada.
  • Modo de Fonação Tenso:
Em inglês, o termo utilizado foi pressed, de apertado, então você já sabe do que estou falando. É o extremo fonatório antes de lacrar completamente a laringe e não sair nem ar, o som de quando estamos fazendo força.

Existem outros modos da prega vocal produzir sons?
Sim, poderíamos falar em um "Modo Crepitante" (tradução de creaky), onde as pregas vocais vibram em ritmo aperiódico (irregular), deixando o som "sujo" (um dos queridos drives), e poderiamos fazer isso em diferentes níveis , mais e menos aduzidos, produzindo distorções mais suaves ou mais agressivas.
Pra tudo você tem etapas de desenvolvimento que devem ser respeitadas

Pra chegar aqui você precisa treinar com calma, fortalecer as estruturas de forma gradual e contínua para que não se canse e se machuque, principalmente com os níveis de resistência muscular mais intensoMas não precisa ter medo, apenas preparo e condicionamento vocal. Achar que não consegue é o primeiro e último passo para não conseguir, nosso cérebro acredita no que pensamos e ele é o chefe do corpo.

Considere que você é um atleta, e pra cantar com sons mais “pesados” vai precisar de treino mais forte que pra cantar com sons mais “leves”.

Lembre-se que é um contínuo, portanto, não existem apenas 5 ou 6 posições de adução ou qualquer coisa do tipo, esses nomes e estágios que vemos por aí são apenas formas didáticas de criar referências. Um cantor preparado vai utilizar incontáveis níveis de resistência muscular de acordo com as nuances que quiser empregar em suas canções.
A vantagem de se atentar a essa característica da voz, é que mantendo os Modos de Fonação estáveis (níveis de adução glótica) transitar entre graves e agudos se torna muito fácil, é só manter o fluxo de ar constante. Você estabiliza o sistema de adução e abdução e ganha liberdade no alongamento e encurtamento das pregas vocais.

Some  tal controle aos ajustes de trato vocal (ressonância ou formantes, como preferir) e pronto, cante qualquer coisa que você quiser, fazendo o que hoje é conhecido como crossover, a prática de cantar diferentes estilos, com diferentes técnicas.

Pra saber como colocar isso tudo na prática nós precisamos entender um pouco de como treinar, conhecendo a Fisiologia do Exercício, e seguiremos para esse tema no próximo texto.

MAIS SOBRE MODOS AQUI

13 comentários:

  1. Muito bom! Obrigado professor! Aprendo muito aqui.

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  2. Ótimo Artigo. Sou aluno de canto e a fisiologia sempre me intrigou.
    Esse artigo clareou alguns conhecimentos que estavam soltos em minha mente.
    Obrigado e continuem a nadar !
    =)

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  3. Olá Mauro. Fico muito feliz em encontrar professores reponsáveis quanto a fisiologia vocal. Isso é mais que necessário.
    Sou professora de canto, tambem formada em música-licenciatura e quase especialista em voz (só falta entrega de tcc hehe), então me identico muito com suas pesquisas e curiosidades.

    Parabéns pelo trabalho!
    Um abraço!

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    1. Que bom Camila, somos cada vez mais, hehe.
      Nesse meioa gente tem que estudar sempre, nossa área está passando por uma grande revolução e quem se acomodar vai ficar só repassando conceitos limitados.

      Obrigado, e boa sorte com o TCC!!

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  4. Salve Mauro!!! Obg por compartilhar conteúdos de extrema importância, creio que tem ajudado muitas pessoas a conhecerem melhor sua voz, seu aparelho fonador e consequentemente melhorarem! Isso para professores e alunos...

    Parabéns pelo trabalho!!!

    Abraço.

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  5. Bom dia Mauro!!! Fantástico esse material!!! Muito obrigado por compartilhar conosco!!! Deus abençoe! Forte abraço

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  6. Não consigo parar de ler seus artigos quantos conteúdos maravilhosos.

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  7. Incrível como sempre!! Grata por compartilhar seus conhecimentos!!

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