terça-feira, 15 de maio de 2012

A história da voz e do canto - parte 2/4

Estamos na Idade Média, nessa época (que ficou conhecida como a Idade das Trevas), o Oriente Médio se tornava o grande centro de conhecimento médico, e no século IX, Rhazes foi um dos maiores doutores muçulmanos, ele recomendava exercícios respiratórios e treinos vocais nas escalas musicais como terapia.
Outros grandes médicos da região se destacaram nos estudos da ciência vocal: Haly Abass, que descreveu a dupla função de respiração e fonação da laringe; Avicenna, o Persa, mais famoso médico árabe. Seu livro era referência mais de 500 anos depois de sua morte; Abdul Quasinu e Maimonides também se destacaram.

Enquanto isso na Europa Ocidental todo o estudo médico era consultado em Galeno, Hipócrates e Aristóteles (mencionados na parte 1), não havendo produção intelectual. Um dos poucos conceitos que surgiram foi que a laringe era derivada do coração, que lançava uma grande artéria até a garganta. Várias ilustrações da época retratam essa ideia.
Como opção de tratamento para eliminar corpos estranhos na garganta o paciente era pendurado pelos calcanhares para que esse tossisse o mal (não tente isso em casa).

A notação musical já havia se desenvolvido mais no final da Idade Média, possibilitando aos compositores desenvolver melodias mais elaboradas e inovações em suas escritas, exigindo cada vez mais dos cantores. Os maiores registros da época são de obras sacras, mas algumas canções populares sobreviveram graças ao uso desses temas como base para composições para a Igreja. 


      Laringe e perna desenhados por Leonardo Da Vinci

Com o Renascimento o homem voltou a ser valorizado, bem como a ciência e o conhecimento. Um dos grandes gênios da época foi Leonardo Da Vinci (1452-1519), que além de pintar a Monalisa e enriquecer Dan Brown, dissecou mais de 30 cadáveres em hospitais e lançou novos conhecimentos sobre anatomia, fisiologia e patologia do corpo e, o que nos interessa aqui, da voz humana.
A renascença foi a época de ouro do canto coral, arranjos elaborados e ricos em polifonias e contrapontos são cantados até hoje. (recomendo bravamente que você ouça Pierluigi da Palestrina, William Byrd, Clement Janequin, etc. Posso fazer um post no futuro recomendando alguns compositores antigos, se vcs quiserem).

Andrea Vesalius (1514-1565) se surpreendeu a achar erros no trabalho de Galeno (aquele do século II d.C.), e foi duramente criticado por isso (não tanto quanto Galileu Galilei que quase foi assado quando defendeu que a Terra não era o centro do universo, e sim o Sol, mas foi. Aliás, o pai de Galileu, Vicenzo Galilei, escreveu sobre o canto solo, dizendo que era o melhor para expressar sentimentos e emoções).

Lodovico Zacconi (1555-1627) notava diferença entre a "voce di petto" (voz de peito) e a "voce di testa" (voz de cabeça), recomendando aos seus cantores que preferissem o uso da voz de peito à de cabeça, que considerava “chata” e “irritante”, e muitos outros maestros e compositores partilhavam a mesma opinião, criticando a "voce finta" (voz fingida, falsete).

       O Barbeiro de Sevilha de Rossini

As denominações voz de peito e voz de cabeça vinham de sensações vibratórias que os cantores tinham quando entoavam o som de determinadas maneiras, quando sentiam vibrações no peito as chamavam assim, e o mesmo para vibrações em regiões na cabeça. Isso causou e ainda causa grande confusão quando se pede pra jogar ressonância no peito, ressonância na cabeça, etc. Veremos à frente que muita coisa mudou desde então.

Essas mudanças de qualidades de voz que sentimos quando vamos do grave ao agudo são chamadas de registros vocais.

Nos avançoes científicos:
Hieronymus Fabricius ab Acquapendente (1537-1619) declarou que o que produzia o som eram as pregas vocais e o espaço entre elas.

Giovanni Batista Morgagni (1682-1771) foi de extrema importância para o conhecimento da laringe. Caspar Bauhinu (1550-1624), Thomas Willis (1621-1675) e Claude Perrault (1613-1688).

Denis Dodart (1634-1707) comparou a voz a um trompete, afirmando que os tons eram definidos pela tensão dos lábios e suas estruturas internas.

Em 1600 temos a primeira ópera encontrada, Eurídice, de Jacopo Peri, membro da Camerata Fiorentina, um grupo de estudiosos nas artes e ciências em Florença, Itália, que teorizou o que seria o recitativo (trecho de ópera que é algo entre o declamado do teatro e o cantado das canções), inspirados pelas ideias dos antigos gregos, e aí começou a profissionalização do cantor fora da Igraja, que se viu obrigado a realizar proezas técnicas novas, escritas or aqueles pesquisadores da Música Contemporânea da época. E a dificuldade foi só aumentando.

À partir do século XVII, com o chamado bel canto das óperas italianas de Rossini, Bellini e Donizetti, o canto solo e virtuoso (técnico, difícil, rapido) foi mais desenvolvido.
Diversos tratados sobre técnica vocal foram escritos para este estilo, que atingiu seu auge no século XIX.

Nesta época, ciência e arte tentaram andar lado a lado em busca do “canto belo”, e as técnicas para conseguir cantar o que era proposto se desenvolviam. Óperas começaram a ser escritas pensando em determinado cantor, com suas vozes e características específicas, o que tornavam as músicas incríveis, porém a execução por outras pessoas muito mais complexas.

3 comentários:

  1. Muito interessante perceber que o desenvolvimento dos conceitos em música vocal sempre apresentaram essa quebra de paradigma e bom senso, e a influencia das descobertas científicas complementaram esse roteiro. Material top Mauro.

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    1. Max, isso acontece em todas as áreas do conhecimento, a gente que acha que cantar é uma atividade extraterrestre e complica as coisas, hehe.

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    2. É verdade Mauro! É isso ai! Toda a definição está em nossa fisiologia!

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