segunda-feira, 21 de maio de 2012

A respiração no canto - Parte 1


O estudo do canto é recheado de temas polêmicos, isso se deve a enorme quantidade de “achismos” que essa arte sempre se envolveu e de pesquisas que vem se envolvendo de algumas décadas para cá (como descrito os tópicos postados neste blog anteriormente sobre a história da voz e do canto). Um desses assuntos que geram discussões e debates entre professores de canto e entre professores de canto e cientistas da voz, e também entre cientistas da voz, é a respiração, o uso do apoio respiratório, ou qualquer nome que ele receba.

Antes de falar da respiração no canto é importante conhecer como funciona a nossa respiração, e por mais óbvio que isso pareça, não o é.
Ela consiste basicamente e fazer o ar entrar e sair, permitindo as trocas gasosas no pulmão, oxigenando o sangue e nos mantendo vivos, e é assim que vemos a respiração normalmente, se estamos vivos é por que estamos respirando, e não precisamos pensar nisso.

Porém, no canto a respiração ganha uma outra importância. O ar é a matéria prima do nosso som, é ele que vai vibrar e ser vibrado nas pregas vocais, na laringe, e dele sairá o som que queremos produzir. Pode ser um som longo, curto, fraco, forte, estável, instável, etc. Não vai bastar permitir que o ar entre e saia apenas, é preciso permitir que isso ocorra de forma eficiente.
O ar não vai pra barriga

Existem algumas maneiras dessa respiração acontecer na fala, ela pode ser:

  1. Torácica ou clavicular: quando estufamos o peito, erguendo a clavícula e os ombros na inspiração. Está associada à fala menos expressiva e aos exercícios,como na natação,
  2. Abdominal: aquela sensação de encher a barriga quando o ar entra. Utilizamos durante o repouso ou momentos de maior relaxamento ou meditação.
  3. Costo-diafragmática-abdominal (CDA): onde costelas, até nas costas, se alargam para que o diafragma possa descer e o abdome participar do processo de suporte e sustenação do ar. De maior interesse para o canto e a voz "projetada" em geral (atores, locutores, professores, palestrantes, etc.). Uma ótima base para gerenciar se o controle de ar éeficiente.
  4. Vertebral: a parte superior da coluna vertebral é acionada. Podemos ligar aos gritos, quando até tomamos impulso com o corpo para produzir o som e já vi também acontecendo com tocadores de instrumentos como o didgeridoo, enquanto praticam a respiração circular.
  5. Mista, que mescla alguns tipos, portanto não podemos considerar como um outro tipo diferente de respiração, mas surge em momentos mais intensos, em que o corpo todo se volta para aquela ação.
Plexo solar, no ponto verde, é projetado para a frente
durante a inspiração CDA 
A respiração costo-diafragmática-abdominal (CDA) no canto é a base do que é chamado de apoio respiratório, portanto, a mais utilizada por cantores treinados, e ela pode ser encontrada com diversos nomes, diafragmático, intercostal, costo-diafragmático, costo-diafragmática-abdominal, até mesmo abdominal, dependendo da escola do professor de canto, da capacidade de propriocepção do cantor, da fonte de informação de cada um, etc. Nesse tipo de respiração, é fácil sentir o movimento na região da altura das costelas mais abaixo e também da musculatura na altura do chamado plexo solar/celíaco.

O que vai definir a maior ou menor influência desses tipos de respiração, ou tipos de "apoios respiratórios", é a necessidade. Estilos musicais mais intensos, como ópera (e dentro da ópera temos várias escolas: italiana, alemã, francesa, etc.), rock, teatro musical, sertanejo, gospel, axé, etc., demandarão maior controle de emissão de ar e intensidade da pressão que o ar exerce sob as pregas vocais (chamada pressão subglótica - Psub). A perda desse controle sobrecarrega o trabalho laríngeo (veja as postagens sobre os registros vocais e modos de fonação), dificulta a estabilidade da produção da voz e facilita a fadiga vocal (cansaço das estruturas musculares ativadas no canto), consequentemente diminuindo a vida útil do cantor. Porém, como disse que é um assunto polêmico, existem algumas correntes pedagógicas que reduzem bastante a importância do tipo da respiração sobre o canto. É um tema cheio de discussão mas que no final das contas vai depender da necessidade de cada um.

Outro benefício da respiração "baixa" é a diminuição da ansiedade. Quando queremos nos acalmar, respiramos fundo, lentamente, é a base da yoga, meditação, e demais práticas "relaxantes". A respiração lenta e profunda diminui o ritmo cardíaco, reduzindo o estresse corporal e a afobação que a respiração rápida e superficial causa. Para o canto é imprescindível estar tranquilo para uma melhor performance. Para a vida as vantagens dessa respiração são incalculáveis. Pratique-a, mesmo que não for cantor.

E sobre a questão: respirar pelo nariz ou pela boca? Pense assim: Pelo nariz o ar é filtrado, aquecido e umidificado (ótimo para as pregas vocais), pela boca não, porém a entrada de ar da boca é muito maior que a do nariz. Portanto, se estiver cantando e tiver pausas longas o suficiente para inspirar pelo nariz, ótimo, caso contrário, deixe o ar entrar silenciosamente pela boca, ou até pelos dois em conjunto. Você terá maior conforto na região do pescoço e ainda pode inspirar já preparando os ajustes do som que vai emitir.

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Um comentário:

  1. Gostei muito de você ter citado a capacidade de propriocepção, Acredito que esse é o ponto chave para instruir o aluno sobre a ação respiratória na emissão cantada. A capacidade de sentir a sustentabilidade da "cinta abdominal", ou seja, músculos compostos por fibras musculares do tipo 1, que tem a característica de serem resistentes a fadiga, mesmo sendo de mais lenta contração.

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