domingo, 10 de junho de 2018

Refluxo laringofaringeo, o que você não pode deixar de saber.

Olá amigos, hoje temos aqui um assunto que interessa demais a todos os cantores, o tal do refluxo...

Mas para falar sobre doença, nada melhor que alguém da medicina, e pra essa função eu convidei a super Dra. Marcia Murao, otorrino que adora trabalhar e pesquisar com cantores e que faz parta da família da Maratona Vocal.

Vamos ao texto que ela preparou, aproveitem!!
Eu com a Dra. Marcia Murao durante o 1º Simpósio do Ambulatório de Artes Vocais da Santa Casa de São Paulo, onde tive o prazer de ser convidado para palestrar sobre as distorções vocais no canto
Dra Marcia Murao
Otorrinolaringologista
CRM 80193
RQE 35299
Doutora em Otorrinlaringologia pela FMUSP
Professora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Taubaté- SP

1- O que é refluxo laringofaringeo?
Você já deve ter tido azia pelo menos uma vez na vida, certo? Então você teve refluxo. É que, às vezes, esse conteúdo ácido, consegue atingir a via respiratória alta, e consequentemente, a laringe. Nesse caso, você pode ter a sensação de que tem algo parado na garganta, rouquidão, tosse seca, pigarro, engasgos repentinos, dificuldade de engolir alimentos, asma de difícil controle, azia ou má digestão.

2- Doença epidêmica

Por que hoje em dia é tão comum você sair de um consultório médico com diagnóstico de refluxo? Desde a década de 70, a doença se tornou epidêmica, principalmente em jovens entre 20 e 30 anos de idade. Segundo o autor El-Serag (2007), a prevalência de doenças do refluxo (Refluxo gastroesofágico-GERD e laringofaringeo) aumentou 4% a cada ano desde 1976.

Fonte:El-Serag HB, Sweet S, Winchester CC, Dent J. Update on the epidemiology of gastro-oesophageal reflux disease: a systematic review. Gut. 2014 June

Durante esse período, a incidência do adenocarcinoma de esôfago aumentou 850%, e a maioria dos tratamentos, infelizmente, foi sem eficácia!

3- O que ocorre na laringe? Cantores, isso é muito importante para vocês!

Estima-se que o refluxo laringofaringeo esteja presente em mais de 50% dos pacientes com disfonia!
As barreiras fisiológicas ao refluxo incluem o esfíncter inferior do esôfago, o clearance esofágico influenciado pelo peristaltismo esofágico (movimento de descida para levar o alimento para baixo, claro), a saliva, a gravidade e o esfíncter superior do esôfago. Quando essas barreiras falham, o conteúdo do estômago entra em contato com a mucosa laringofaringea, causando danos ao epitélio, como disfunção ciliar, inflamação e alteração da sensibilidade.


O pH da faringe é neutro (pH 7), enquanto os ácidos do estômago variam em pH de 1,5 a 2. O dano à faringe é o resultado de um declínio no pH e exposição a componentes de refluxo, como pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. No esôfago, 50 episódios de refluxo por dia são considerados normais, enquanto na laringe três episódios já podem causar danos. No entanto, o efeito dos ácidos na laringe não está definido e alguns estudos sugerem que a combinação de ácido e pepsina (não ácido, mas ativada por ele) é necessária para causar lesão. Resumindo, o conteúdo que volta do estômago, tem componentes ácidos e não ácidos (pepsina) e ambos podem causar lesão na laringe (pepsina é ativada por ácido!). A injúria pela pepsina, está bem comprovada pela biologia celular. Estudos mostraram que a pepsina permanece dentro das células da mucosa laringea por pelo menos 12h e, portanto, pode ser “reativada” através de outro refluxo ou ingestão de alimentos ácidos! Aí começa o problema! Se você tomar inibidores da produção de ácidos (omeprazol, esomeprazol, pantoprazol, etc) resolverá o problema? Não! Vc diminuirá a acidez, mas e a pepsina que vem do refluxo não ácido, permanece na célula por no mínimo 12h e ainda pode ser reativada por dieta ácida. E como você acha que dá para digerir alimentos com pouco ou nenhum ácido? A resposta é simples, não dá. Confuso não!

4- Diagnóstico
Os sintomas do refluxo laringofaringeo são inespecíficos e comuns em outras doenças! Ainda não se tem um exame “padrão ouro” para diagnosticá-lo. Aí entra a experiência do médico otorrinolaringologista, caso contrário, todos sairão com uma receita de inibidor de ácidos e pior, sem melhora e com efeitos colaterais da droga a longo prazo, incluindo demência!
Para você ter uma ideia da complexidade do diagnóstico, alterações compatíveis com refluxo no exame da videolaringoscopia de pacientes com sintomas, estão presentes em 86% dos pacientes controle, ou seja, que não têm sintomas!
Um terço dos pacientes com disfonia e sintomas de refluxo, na verdade têm disfonia por tensão muscular.
Pacientes com atrofia de prega vocal e com refluxo, apresentam o mesmo sintoma: pigarro.
Carroll et al in process, observou que 69% dos pacientes sem disfonia, mas com queixa sutil compatível com refluxo, tinham na verdade, patologia das pregas vocais. Por esse motivo a videoestrobolaringoscopia, está justificada em pacientes SEM disfonia, mas com sintomas de refluxo e nos casos em que, apesar do tratamento para refluxo, os pacientes não apresentaram melhora.

5- E dieta???
Jamie Kaufman estuda refluxo laringofaringeo há mais de 30 anos! Atualmente, fala muito sobre dieta alcalina para inativar a pepsina na mucosa laringea e assim, interromper o ciclo vicioso. Na minha opinião é a solução! Com a modernidade, vieram alimentos industrializados, que para durar mais, precisam ser ácidos e ácidos foram adicionados! A acidez conserva, pois inibe a proliferação bacteriana e preserva a cor dos alimentos (antioxidante). Já teve a curiosidade de ler os rótulos dos produtos que você ingere?
Apesar de médica, sempre fui contra a prescrição desmedida de remédios (claro que em algumas situações, ele salva vidas!). Um artigo dinamarquês muito interessante de Jensen et al, 2014 chegou a seguinte conclusão:

“Não foram observados efeitos protetores dos inibidores da bomba de protons (IBP) em relação ao câncer de esôfago. De fato, a alta aderência e o uso prolongado de IBPs foram associados a um aumento significativo do risco de câncer ”. Em outras palavras, Kaufman afirma que os IBPs NÃO são o tratamento primário para a doença do refluxo e não previnem o câncer de esôfago. Os IBPs não param a progressão da doença. Nada substitui modificações dietéticas e de estilo de vida.

Referências:
AAO-HNSF Annual Meeting & OTO Experience, Chicago 2017, presencial.


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