Em fevereiro de 2016, 4 cientistas (dentre eles, o Dr.
Lindestad, que tive o prazer de conhecer em 2012, o Daniel Zangger-Borsch que já
citei em texto sobre distorções vocais e o Christian Herbst, o da adução membranosa e cartilaginosa) publicaram um artigo fazendo uma análise
sobre a voz do Freddie Mercury. Infelizmente, uma interpretação desse estudo
muito ruim caiu na internet e está causando tumulto, e agora tem a tradução
dela pro português piorando ainda mais as coisas. É hora de esclarecer as coisas.
Obviamente, o estudo não foi feito com videolaringoscopias
ou qualquer tipo de exame no próprio Freddie Mercury, pois ele morreu em 1991.
Arquivos de áudio, gravações a capella e de entrevistas foram utilizados para
obtenção de análise acústica e um cantor (o Daniel) imitando o próprio foi filmado.
De cara, temos algumas variáveis a considerar: gravações
comerciais são feitas com microfones, que modificam de alguma forma o espectro
de harmônicos na voz, e mais, podem ser modificadas por equalização e diversos
efeitos como compressor, dobra, delay, etc.. Além disso, um cantor imitando o Freddie
Mercury pode soar parecido sem fazer exatamente as mesmas manobras
fisiológicas, infelizmente não temos o áudio da gravação para comparar com o
original.
Vamos aos resultados obtidos na pesquisa:
Analisando entrevistas, tentaram determinar a frequência
média da voz falada de Freddie. Em cada entrevista, uma média diferente foi
observada, mas a média da média, deu 117.3Hz, que, segundo o estudo, é
tipicamente encontrada em cantores barítonos, mas essa terminologia das
classificações vocais é bastante questionada atualmente, principalmente se tratando de canto popular. Na versão veiculada pela mídia, Freddie é
descrito como um super-humano por ter voz de barítono e cantar notas de tenor,
uma interpretação bastante peculiar do artigo.
Nas músicas que analisaram, encontraram um alcance de F#1 a
G4 (ou F#2 a G5 dependendo da notação), com grande domínio de registro (controle de
TA e CT) e de Modos de Fonação (entre soproso e tenso), porém, não há dado
fisiológico para afirmar isso.
O vibrato dele tem uma média de 7.2Hz, ou seja, 7.2 oscilações
por segundo, que é mais rápido que um vibrato desejado no canto clássico. Na
versão midiática, descrevem isso como “a corda
vocal vibra mais rápido que o normal”. Se a prega vocal vibrasse mais rápido
que o normal ele estaria cantando com a afinação mais aguda do que deveria, ou
seja, desafinado, o que não tem qualquer relação com produção de vibrato. Esse
vibrato mais rápido, descrito no estudo, é tido como próximo ao tremor de voz. Na “interpretação”,
podemos ler o absurdo dizendo que é uma marca que nem o Pavarotti conseguiu.
Entenda, no canto lírico, um vibrato com essa variação é totalmente rejeitado e
considerado mal feito, pois esteticamente não é aceito (No canto clássico
ocidental o ideal está entre 5.4Hz e 6.9Hz, dependendo da idade e envolvimento
emocional do o trecho cantado). No rock não há essa restrição estética, e
encontramos cantores com vibratos mais rápidos e mais lentos, independente da
qualidade do som produzido.
Uma variação dessa interpretação do estudo “revela” que
Mr. Mercury é capaz de realizar uma técnica rara chamada de sub harmônicos,
similar ao dos milenares cantores da Mongólia. O que isso quer dizer na realidade? Sub harmônico é o que
chamamos de distorção vocal, ou mais popularmente drives, e por mais que eu
goste do Fredão, e ele é dos meus favoritos, não dá pra dizer que é raro, certo? Quem escreveu a matéria não fazia a menor ideia do que estava escrevendo.
Esse efeito foi visto na análise acústica tanto dos áudios originais quanto do “cover” gravado pelo Daniel ZB, e nas filmagens da laringe do Borsch perceberam a ação das pregas vestibulares causando a distorção, que é o mecanismo fisiológico utilizado pelos praticantes do canto gutural mongol, como visto em artigos anteriores, como do próprio Dr. Lindestad.
Esse efeito foi visto na análise acústica tanto dos áudios originais quanto do “cover” gravado pelo Daniel ZB, e nas filmagens da laringe do Borsch perceberam a ação das pregas vestibulares causando a distorção, que é o mecanismo fisiológico utilizado pelos praticantes do canto gutural mongol, como visto em artigos anteriores, como do próprio Dr. Lindestad.
O mais interessante, é que todos esses pontos que mencionei (e
outros mais) a serem considerados estão no artigo original, mas o
sensacionalismo feito em sites de “notícias” é maior que a vontade de passar a
informação correta. Frases como "ciência comprova quem Freddie Mercury é omaior cantor da história" chama mais a atenção que "Artigo faz análise da voz de Freddie Mercury e não cria listas bizarras pois esse não é o trabalho de alguém sério"
"Pra quem divulgou o artigo sobre mim" |
Eu já disse, adoro Queen e acho o Freddie Mercury um
gênio, provavelmente um dos 10 vocais mais importantes da história do rock, mas tratar ciência vocal como “prova de miraculismo” é revoltante, pois
quem não for olhar o original vai sair repetindo essas viagens e o mito sobre o
canto vai perdurar. Um estudo sério foi feito por cientistas sérios e uma penca de “jornalistas”
acabam com tudo por pura preguiça de conferir as coisas, ou falta de conhecimento sobre o assunto, ou só a boa e velha ganância mesmo.
Como sempre digo, cheque as fontes, investigue e não compartilhe informação que você não tem certeza que é real.
Como sempre digo, cheque as fontes, investigue e não compartilhe informação que você não tem certeza que é real.
Quem quiser ler o original (melhor do que sair compartilhando meu texto sem saber se estou falando a verdade também ;): http://www.tandfonline.com/doi/full/10.3109/14015439.2016.1156737
Dr. Baken, eu e Dr. Lindestad no CoMeT 2012 em SP |
Com o Zangger-Borch no ICVT 2017 em Estocolmo |
Boa, Mauro!
ResponderExcluirEsclarecimentos fundamentais hj e sempre!
Sou sua fã!
Bjbj
Obrigado Monica, a fãzisse é recíproca, hehe
ExcluirMauro Andrea até compartilhei na minha página seu artigo, muito bom mesmo parabéns!!!!;;
ResponderExcluirQue bom que gostou Tatiane, esse tipo de coisa me deixa doido, hehe
ExcluirObrigado!
cheguei aqui por acaso, buscando alguma informação sobre a Sandra Espiresz, e acabei nesse post com o qual concordo completamente. desde que essa matéria começou a circular por aí, achei que deveria ter alguém pra comentá-la de um ponto de vista mais técnico e menos (ou nenhum pouco) sensacionalista.
ResponderExcluirabraços!
Sandra foi uma grande amiga que me ensinou demais.
ExcluirO pior é que esse texto está cada vez mais fazendo sucesso.